A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, manteve o entendimento pela impossibilidade de cobrança do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) diante da ausência de lei complementar federal que regulamente a matéria, mesmo após a reforma tributária.
É antiga a controvérsia sobre a tributação de heranças e doações recebidas no exterior. A Constituição Federal de 1988 autorizou a instituição de tributos pelos Estados e Distrito Federal sobre a transmissão causa mortis e doações se o doador ou o finado tivessem residência ou domicílio no exterior. Entretanto, condicionou a cobrança do tributo à edição de lei complementar para regulamentasse a matéria (art. 155, I, §1º, III, da CF/88).
O Congresso Nacional jamais aprovou a lei complementar para autorizar os Estados e o Distrito Federal a cobrar o ITCMD sobre doações e heranças de pessoas e bens sediados no estrangeiro. Razões de segurança jurídica e relações internacionais sempre foram apontadas como principais obstáculos à regulamentação por lei complementar.
A despeito da ausência de lei complementar, muitos Estados resolveram instituir à fórceps o tributo em suas legislações. Foi o caso do Estado de São Paulo que, no art. 4º da Lei Estadual nº 10.705/00, estabeleceu diversas hipóteses de incidência do ITCMD sobre bens e pessoas no exterior. O Tribunal de Justiça de São Paulo e o STF, no entanto, declararam inconstitucional o dispositivo da lei paulista. O STF aproveitou o julgamento da lei paulista para pacificar entendimento e declarar que era “vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional” (TEMA 825 da repercussão geral do STF).
A recente reforma tributária (Emenda Constitucional n. 132/2023), todavia, inovou no assunto e definiu regras de competência tributária nacionais para autorizar os Estados a cobrarem o ITCMD em matéria de sucessão e doação com elementos internacionais até a regulamentação do tema por lei complementar (art. 16 da Emenda Constitucional). Em suma, a reforma tributária remendou a frágil legislação constitucional e infraconstitucional com objetivos estritamente fiscalistas, em detrimento da boa técnica e do prestígio à segurança jurídica que a matéria exige.
“Remendo ruim estraga o pano bom”. A má técnica da reforma tributária, claro, teria consequências. O Estado de São Paulo, aproveitando-se dessa autorização da emenda constitucional, resolveu cobrar o ITCMD sobre doações recebidas no exterior. Para tanto, a Fazenda paulista ressuscitou o art. 4º da Lei Estadual nº 10.705/00, outrora declarado inconstitucional, porque “houve expressa superação legislativa da jurisprudência fixada pelo STF no Tema 825 (…) pelo art. 16 da EC 132/2023”.
O STF, por ora, bloqueou a sanha arrecadatória do Fisco. No julgamento do RE 1553620/SP, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento pela impossibilidade de cobrança do ITCMD diante da ausência de lei complementar, por unanimidade. A Ministra Carmen Lucia, relatora do recurso, declarou que a reforma tributária foi posterior à declaração de inconstitucionalidade. Portanto, “expulso” da legislação brasileira o art. 4º da Lei Estadual nº 10.705/00, inexiste base legal a sustentar a cobrança do imposto estadual, afirmou a Relatora. Todos os Ministros acompanharam o entendimento da relatora.
A novela, contudo, não acabou. O STF impediu o Estado de São Paulo de cobrar o imposto com base na lei antiga. Mas e se São Paulo editar nova lei? Será legal e constitucional a cobrança? Por essa razão, recomenda-se um planejamento patrimonial permanente e vigilante para se antecipar aos novos capítulos dessa novela.