Domingues Cintra
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O futuro do passado: a eficácia da MP 984 sobre os contratos de direitos de transmissão

O noticiário futebolístico foi dominado nas últimas semanas por um profundo debate sobre o futuro do mercado de transmissão de eventos esportivos a partir da adoção da Medida Provisória nº 984 (MP 984/2020) pelo Presidente da República.

 

A MP 984/2020 altera o artigo 42 da Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998) e modifica o titular do direito de arena, que passa a ser exclusivamente a entidade de prática desportiva mandante do evento. O direito de arena é a prerrogativa concedida à entidade de prática desportiva, como os clubes de futebol, para negociar e autorizar a transmissão e a reprodução de imagens do espetáculo desportivo. Pela lei anterior, o direito de arena era de todas as entidades participantes do evento esportivo.

 

Em linhas gerais, se antes a transmissão de uma partida de futebol dependia da anuência dos dois clubes envolvidos no certame, com a entrada em vigor da MP 984/2020 é suficiente que o clube mandante da partida autorize a transmissão do jogo.

 

Dentre as controvérsias surgidas a partir da MP 984/2020, uma tem sido causa principal dos litígios envolvendo os players desse mercado: a eficácia da nova regra sobre os contratos de direitos de transmissão pretéritos e futuros.

 

O direito brasileiro tem como princípio a irretroatividade das leis: a lei nova não retroage e não afeta as situações jurídicas consolidadas. Em relação aos contratos, a disciplina é ainda mais rígida, pois a lei posterior não se aplica nem aos efeitos futuros dos contratos pregressos. A lei de regência do contrato ao tempo em que ele foi constituído sobrevive e o integra como se fosse mais uma cláusula contratual. Os contratos de direitos de transmissão antigos celebrados sob a égide da lei anterior, portanto, seguirão sendo regidos pela norma anterior que estabelecia como titular do direito de arena os clubes mandante e visitante.

 

Os contratos, em regra, produzem efeitos somente às partes contratantes, não aproveitando nem prejudicando terceiros. O que parece um truísmo, na verdade, significa que os clubes que não cederam seus direitos de transmissão já são os titulares dos direitos de arena de todas as partidas em que possuírem o mando de campo e poderão livremente negociá-los, independentemente dos contratos firmados pelos demais clubes.

 

A eficácia da nova medida provisória, que depende de ser confirmada parcial ou integralmente pelo Congresso Nacional, estará subordinada a esses dois princípios: o da irretroatividade das leis e o da relatividade dos contratos.

 

Mas essa partida ainda será disputada no Congresso Nacional e, enquanto a bola não rola nos gramados, resta-nos acompanhar e torcer para que o futebol e o esporte brasileiro saiam vitoriosos nesse jogo e os nossos congressistas não façam nenhum gol contra.